O Nepal é um país com uma história política conturbada e uma geografia difícil. Parcialmente destruída por um terramoto de magnitude 8 em 2015, assistiu ao desaparecimento de numerosos locais classificados como Património Mundial da UNESCO. Nem mesmo o Monte Evereste – o pico mais alto do mundo – escapou. Com grandes variações de temperatura, instabilidade política, um sistema de transportes fraco e acessos difíceis, o que nos leva a querer visitar o Nepal?
Apesar de tudo isto, o Nepal é o país mais “rico” do mundo. Rico em paisagens, rico em hospitalidade, rico em história, rico em alma.
A chegada ao Nepal faz-se normalmente de avião, no humilde Aeroporto Internacional de Tribhuvan, em Katmandu. Um pequeno aeroporto sem ar condicionado, parado no tempo, é o cartão de visita dos mais de três milhões de passageiros que optam por visitar o Nepal por via aérea. Quando saímos do aeroporto, vimos imediatamente os pequenos táxis, todos brancos, decorados ao estilo nepalês, numa mistura iconográfica de marcas desportivas e devoção religiosa. Não há taxímetros e as viagens de táxi são caras: o combustível é caro no Nepal e o imposto de importação de automóveis é elevado. Possuir um carro, mesmo estas pequenas “caixas de fósforos” que servem de táxi, é um luxo a que poucos se podem permitir.
As estradas do Nepal são uma aventura. Atravessando os Himalaias, não são adequadas para quem sofre de vertigens ou para quem tem estômago sensível, mas compensam com vistas absolutamente espectaculares. Nos últimos anos, o Nepal melhorou o seu sistema de transportes para turistas, não através da melhoria do sistema rodoviário, mas através de novos autocarros “turísticos”, jipes privados e muitas ligações aéreas internas em pequenos aviões que nos poupam horas de viagens tumultuosas – esta última é sem dúvida recomendada para quem não gosta de estradas desconfortáveis e tem mais dinheiro, claro. As viagens por terra são sempre lentas, mas num autocarro de turismo podes viajar lentamente num lugar mais confortável, onde os solavancos da estrada têm um impacto um pouco mais amortecido. Não te deixes enganar pelos anúncios nas agências, que te vendem serviços como wifi a bordo ou casas de banho por um preço extra: a rede móvel no Nepal é instável (culpemos a geografia!), e embora as “casas de banho” nos pequenos cafés e lojas na berma da estrada nos tenham deixado a pensar num teste de resistência para a nossa bexiga, as curvas-contra-curvas das estradas nacionais nepalesas desafiam até o melhor dos aerialistas a utilizar as instalações a bordo.
O Nepal sempre conseguiu transformar a sua difícil situação geográfica numa mais-valia. Com razão apelidado de “o telhado mais alto do mundo”, é neste país de pequenas áreas que encontramos as maiores altitudes: oito dos dez picos mais altos do mundo estão no Nepal. A paisagem difícil moldou não só a geografia do Nepal, mas também a sua personalidade. Aldeias e tribos remotas, que há não mais de dez anos eram pequenos reinos independentes, formam agora um único país, quando antes eram mais de 70. A norte, encontram-se as tribos tibetanas, algumas das quais estão aqui há séculos, outras há apenas algumas décadas, como é o caso das muitas famílias que fugiram do Tibete durante a ocupação e unificação da China, e que ainda aqui se encontram. A sul, regiões tropicais como Chitwan, onde a terra é mais plana e quente, e povoada por elefantes, rinocerontes e tigres, ou Lumbini, a terra que viu nascer Buda.
Unidas pela política e pela lei, cada uma destas regiões mantém a sua individualidade: existem mais de 120 dialectos/línguas oficiais no Nepal e em cada região as tribos mantêm os seus costumes e tradições. Uma viagem ao Nepal, mais do que uma viagem geográfica, é um mergulho numa imensidão cultural, muitas viagens numa só.
Atualmente, Katmandu é a capital da República do Nepal. Situada no centro do país, é aqui que chega a maioria dos viajantes. Foi a cidade mais afetada pelo terramoto e ainda hoje, dois anos depois, podes ver destroços, poeira, paredes que já não suportam edifícios, estradas e deslizamentos de terra por toda a cidade. A Praça Durbar, no epicentro da cidade, património da UNESCO, foi arrasada. É difícil imaginar a arquitetura medieval que ali se concentrava intacta. Das ruelas que sobreviveram, muitas ainda conservam as suas características típicas nas pequenas varandas suspensas, feitas de madeira, cheias de pequenos pormenores.
Um dos templos que sobreviveu em Katmandu, sofrendo apenas pequenos danos, foi o templo budista de Swayambhunath, mais conhecido como o Templo do Macaco. Situado na colina mais alta de Katmandu, é o local ideal para ver toda a cidade de cima. O seu nome deve-se aos muitos macacos que vagueiam pela zona, roubando comida e puxando malas, ao mesmo tempo que fazem as delícias dos turistas. Mais do que uma mera atração turística, este lugar está impregnado de mitologia nepalesa: a base redonda representa o mundo ao pé do Nepal (o teto do mundo), e em cada um dos quatro lados da estupa há um par de olhos pintados. Este par de olhos é o símbolo do país e representa a Sabedoria e a Compaixão.
Por todo o Nepal, e não apenas em Katmandu, é comum ver e ouvir o mantra tibetano “Oṃ Maṇi Padme Hūṃ” (ཨོཾ་མ་ཎི་པདྨེ་ཧཱུྃ – muitas vezes pintado em cores budistas: branco, verde, amarelo, azul, vermelho e preto). Este mantra é particularmente importante para o Nepal, e cada sílaba tem um significado: generosidade, ética, paciência, diligência, renúncia e sabedoria. Por ser um mantra sobre a renovação da energia, tornou-se quase um “hino” no Nepal, especialmente depois do terramoto. Ouves isto em todas as esquinas, em todo o Nepal, a toda a hora. Repete-a 108 vezes, de cada vez que a canta. Quando passeamos pelo encantador bairro de Thamel, no centro de Katmandu, este mantra ecoa pelas lojas. É aqui que se concentra a maior parte das lojas turísticas. Desde lã de iaque a equipamento e vestuário de montanhismo, casas de chá e lojas de máscaras budistas, há de tudo. Há também muitos restaurantes aqui, que oferecem todo o tipo de comida: Nepalesa, indiana, oriental e ocidental. Mas o melhor é aproveitares Kathmandu para habituares o teu estômago à dieta local: Os “momos”, uma espécie de pequenos pastéis que podem ser fritos ou cozinhados a vapor, são os mais comuns, e há os de búfalo, frango ou vegetarianos. Mas o prato nacional é o “dal bhat”, arroz cozido com um acompanhamento de legumes, carne ou peixe e molhos, que pode ser repetido tantas vezes quantas quiseres. O arroz é visto no Nepal como uma fonte de energia e de boa digestão, especialmente quando tens de escalar montanhas em trilhos mais arriscados. Outro prato imperdível é a “thukpa”, uma sopa de massa cujos ingredientes variam consoante a região, sendo mais frequente nas zonas montanhosas com temperaturas mais baixas.
Depois de Katmandu, Pokhara – a capital da aventura do Nepal – é um dos locais obrigatórios para quem visita o Nepal. Pokhara é uma pequena cidade junto ao Lago Phewa, onde se encontra um dos 80 pagodes que promovem a paz mundial, o Shanti Stupa. É a partir desta estupa, a uma altitude de 1100m, que tens a melhor vista da cordilheira de Annapurnas, um dos circuitos de caminhadas de montanha mais populares do mundo e também um dos mais arriscados.
Pokhara é o ponto de partida para estas caminhadas. Há circuitos para todos os gostos, desde apenas um dia (como a caminhada até à Shanti Stupa) até 20 dias (como o circuito Annapurna), mas todos eles são incríveis. O circuito de Annapurna é um dos mais longos, levando entre 15 e 20 dias para ser concluído e chegando a 5500m acima do nível do mar, sendo o acampamento base de Annapurna um dos mais desafiadores de todo o Nepal. O Annapurna I, o pico mais alto, tem pouco mais de 8000 m, mas – ao contrário do Evereste – nunca foi escalado até ao topo. Embora menos altas do que as montanhas do Evereste, as Annapurnas são mais impressionantes e constituem um desafio maior para quem as quer conquistar. No entanto, as caminhadas são fáceis, sem grande preparação física: os carregadores e os guias locais que conhecem bem a zona estão sempre à disposição. Os circuitos estão muito bem sinalizados e há postos de controlo ao longo do caminho, onde, para além de carimbarem o nosso cartão de trekking (obrigatório para quem se aventura na montanha, o registo é feito em Pokhara ou Katmandu), têm água potável, informação gratuita, mapas e recomendações dos funcionários, se necessário.
Escalar os Himalaias é uma obrigação para quem visita o Nepal: em nenhum outro lugar tens a sensação da imensidão do mundo. Apesar das baixas temperaturas, vale a pena acordar antes do sol nascer. As cores rosadas reflectidas nas paredes geladas dos Himalaias por um sol vermelho que se levanta em força para mais um dia nas montanhas é um dos espectáculos mais incríveis da natureza. Aqui, toda a vida é regida pelo sol. Os pastores tiram os seus rebanhos da sombra e levam-nos para o sol, os ribeiros e riachos descongelam, as águias voltam a voar para o céu. E os aventureiros da montanha calçam as botas de neve, pegam nos bastões de neve e fazem-se à estrada: às 11 horas sopra o vento da montanha, gelado, a evitar nas grandes planícies, por isso caminha primeiro. Às 11 da manhã, queres estar em casa de alguém, a beber chá tibetano, salgado e estranho ao teu gosto por doces. Cozinham-se as chipatas e bebe-se sumo de maçã quente, abundante na região. Lá fora, as crianças brincam sem nada: ferros, pedras e paus, num mundo imaginário cheio de lendas de dragões e conquistadores. A vida despreocupada acima dos 3000 metros de altitude tem um encanto muito próprio para quem ainda não teve de lidar com as preocupações de uma civilização moderna.
De volta a Pokhara, no final do circuito Annapurna, vale a pena aventurares-te a fazer parapente sobre o Lago Phewa. A região, com condições meteorológicas estáveis durante todo o ano, oferece vistas espectaculares e a possibilidade de fazer um voo calmo ou cheio de adrenalina (dependendo do teu gosto!), mas sempre em segurança. Saltar de Saranghot, a 1400m, sobre as águas calmas do Lago Phewa, com o Annapurna como pano de fundo, é uma das sensações mais libertadoras que podes ter.
Ao visitar o Nepal, nós, enquanto viajantes, estamos a garantir a sustentabilidade económica do país, uma vez que o turismo é a sua maior indústria. E, em troca, recebemos parte dessa alma que nos ensina a ver e a apreciar a vida com outros olhos. Há algo no Nepal que não tem adjectivos para o descrever, um sentimento humilde e sincero, a capacidade de fazer sobressair o melhor de nós. Num país que se ergueu dos escombros de uma catástrofe, onde há sempre um sorriso e uma chávena de chá à tua espera, visitar o Nepal é mais do que umas férias, é um investimento. Porque, afinal, o Nepal é certamente o lugar onde gastamos o nosso dinheiro e somos nós que voltamos mais ricos.